
Revista Veja - 04/07/2011
Dilma Rousseff ficou surpresa ao saber que o presidente da Petrobras foi ao encontro do "consultor" José Dirceu num quarto de hotel em horário de expediente - e logo depois de uma reunião com ela no Palácio do Planalto.
Dilma Rousseff ficou surpresa ao saber que o presidente da Petrobras foi ao encontro do "consultor" José Dirceu num quarto de hotel em horário de expediente - e logo depois de uma reunião com ela no Palácio do Planalto.
O ex-ministro José Dirceu ficou tiririca depois de VEJA revelar que ele usa um quarto de hotel, em Brasília, para conspirar contra integrantes do governo e garimpar informações sobre a administração federal, a matéria-prima de sua bem-sucedida carreira como consultor de empresas privadas.
Apesar de estar com os direitos políticos cassados e figurar como comandante de uma "organização criminosa sofisticada” no processo do mensalão, Dirceu mostrou que continua a dar as cartas no PT.
Os líderes da legenda no Congresso manifestaram solidariedade a Dirceu, acusando a revista de invadir a
sua privacidade.Sob a batuta do ex-chefe da Casa Civil, o partido resolveu até incluir na pauta do congresso petista que se realizaria no fim de semana uma moção de desagravo a Dirceu, devidamente acompanhada de uma ofensiva pela regulamentação da "mídia" - uma proposta explícita de censura à imprensa inventada no governo do ex-presidente Lula, mas já rechaçada pela presidente Dilma Rousseff.

Dirceu, quando é conveniente, adora cultivar o mito de vítima de uma conspiração das elites - das quais, é claro, os grandes meios de comunicação são instrumento. Isso apesar de andar acompanhado de figurões, com os quais toma vinhos de milhares de reais a garrafa. Mas, depois da fase tiririca, ele se mostra envaidecido.
Em conversa com pessoas próximas, o ex-ministro disse que a revelação de sua atividade clandestina na capital do país certamente renderá mais clientes para sua empresa de consultoria. Os potenciais clientes, acredita o poderoso chefão, devem ter ficado impressionados com o plantel de ocupantes de cargos de destaque na hierarquia do poder que beijam a sua mão.
Dirceu afirmou ainda ter recebido a solidariedade de figuras de proa do próprio governo. Do Palácio do Planalto, no entanto, não se ouviu até sexta-feira uma única palavra de "solidariedade" ao ex-ministro. Muito pelo contrário.

A presidente espera que Gabrielli se explique. Afinal de contas, não se trata de um petista qualquer. Presidente de uma das maiores empresas do mundo, ele é guardião de informações estratégicas e, por consequência, muito valiosas. Antes da publicação da reportagem, Gabrielli foi indagado sobre o encontro com José Dirceu.
"Sou amigo dele há muito tempo e não tenho de comentar isso (a reunião) com ninguém", respondeu. Na semana passada, perguntado mais vez, por meio de uma nota, reiterou o que já havia dito: "Sou amigo do José Dirceu há trinta anos e não comentarei o que converso com meus amigos".
Em 6 de junho passado, essas inocentes almas gêmeas se encontraram. Sergio Gabrielli estava em Brasília a trabalho. Deslocou-se do Rio de Janeiro em um jato fretado pela empresa e visitou o amigo em horário de expediente. Ficou no quarto durante trinta minutos. Entrou com as mãos vazias e saiu de lá carregando papéis.
Dirceu tem em seu rol de clientes gigantes com interesses na área de energia e construção civil. Ele já prestou serviços ao bilionário Eike Batista, à Delta Construções e à Engevix - conglomerados que atuam no mercado de energia.
Grandes empreiteiras também contrataram os trabalhos de Dirceu para que ele prospectasse projetos e abrisse portas em países da América Latina. A conversa entre Dirceu e Gabrielli ocorreu momentos depois de o presidente da Petrobras ter participado de uma reunião com Dilma Rousseff e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. A pauta da reunião no Palácio do Planalto: assinatura de acordos bilaterais nas áreas de energia e construção civil.
Assuntos, portanto, bastante interessantes para o consultor Dirceu. Sem os devidos esclarecimentos, coincidências como essas causam suspeitas. “A partir
de fotos de pessoas entrando e saindo de um hotel, a revista faz ilações absurdas sobre o que teria sido discutido e conversado nesses encontros", diz Gabrielli. Mas o que o presidente da Petrobras estava fazendo no quarto de Dirceu?
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Às voltas com uma tentativa de faxina ética custosa do ponto de vista político, Dilma Rousseff tem a dimensão do risco decorrente desse flerte entre interesses públicos e privados. A presidente sabia que José Dirceu usava o hotel para conspirar contra seu governo.
Informada por auxiliares, alguns inclusive frequentadores do "gabinete secreto" de Dirceu, ela chegou a abortar a tentativa do ex -ministro de usar o PT para pressioná-la a nomear um homem da sua confiança para o comando da Secretaria de Relações Institucionais. Mas a imagem de Gabrielli a espantou, antes de irritá-la.
Ainda assim, o presidente da Petrobras considera que não deve satisfações sobre um encontro com o "amigo". Deve, sim - e não apenas à presidente, mas aos acionistas da Petrobras, entre eles trabalhadores que investiram parte do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em ações da empresa. A oposição também cobra explicações.

Os dois pedem a aplicação de uma "advertência" a Gabrielli. Reivindicam a mesma punição a Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Na semana passada, a bancada do PT na Câmara divulgou uma nota de repudio a VEJA, acusando a revista de invadir a privacidade de Dirceu. O texto foi assinado pelo líder Paulo Teixeira. Do outro lado do Parlamento, Humberto Costa, líder do PT no Senado, aproveitou o caso para defender limites a ações da imprensa "danosas às imagens das pessoas públicas".
Disse o senador: "A democracia conquistada neste país é um bem precioso, mas ela também vem acompanhada de outros valores: a apuração minuciosa dos fatos, a partir de provas contundentes e de resultados de investigações já feitas, é necessária antes de se lançar qualquer acusação sem cabimento contra qualquer pessoa: homem público, cidadão ou cidadã". Estava pavimentado o terreno para a retomada da pregação em favor da censura à imprensa.
A aparente indignação dos petistas não passa de uma tentativa de desviar o foco do constrangimento geral com o fato de que Dirceu é o poderoso chefão do PT e da companheirada acomodada na máquina pública. Ele e os petistas temem que as revelações sobre as atividades clandestinas do ex-ministro sirvam como elemento de convicção aos poucos que têm dúvida da consistência da denúncia apresentada pelo procurador-geral da República ao Supremo Tribunal Federal.
Ou seja: o papel do ex-ministro como chefe da quadrilha do mensalão, o maior escândalo de corrupção da história do país. “Trata-se de uma tentativa de chantagear a Justiça", bradou o líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira.
Ainda na intenção de dar credibilidade ao papel de vítima de uma acusação injusta planejada por adversários, pessoas próximas ao ex-ministro afirmam que ele recebeu um telefonema de apoio do ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência. Petista histórico, servidor leal a Lula e amigo de Dirceu, Carvalho não confirmou a ligação. Também não informou se a deferência, se realmente ocorreu, teve o aval de Dilma.
Interlocutores de Dirceu disseram que a própria presidente afagou o ex-chefe da Casa Civil, com quem manteria "conversas e reuniões frequentes". O Palácio do Planalto negou que Dilma tenha manifestado solidariedade e desmentiu os tais "encontros frequentes".
Na sexta-feira, na abertura do congresso do PT, o chefe do mensalão deu mais uma demonstração do poder que ainda exerce sobre o partido. Num evento organizado por seus asseclas, foi o primeiro dirigente a subir no palco. Ovacionado por mais de 1000 militantes com brados de "guerreiro do povo brasileiro", sentou-se em uma cadeira na segunda fileira, rigorosamente no centro do palco. À sua frente estavam os lugares reservados a Lula e Dilma.
A configuração foi cuidadosamente pensada. Com a imprensa postada no fundo do salão, em qualquer foto da presidente inevitavelmente aparecerá Lula ao lado e Dirceu ao fundo. Lula, como era de esperar, elogiou Dirceu e criticou a imprensa. Dilma começou seu discurso saudando os presentes. Quando terminava, alguém na plateia gritou: "E o Zé Dirceu? ". A presidente, de maneira protocolar, saudou a presença do "companheiro José Dirceu". Foi aplaudida pela claque. Aparências salvas, o conteúdo permanece imutável: Dirceu é mesmo um espectro.
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